DA
POSSE
Inicialmente
urge salientar aos caros leitores que o presente artigo está longe de esgotar o
tema que anos a fio vem causando acaloradas discussões entre os jurisconsultos
contemporâneos.
De
“prima facie e, para melhor entendermos o instituto que é objeto de nossa
diminuta pesquisa, forçoso se faz, encontremos sua melhor classificação dentro
do Direito Civil, isto é, sua natureza, jurídica, noutro dizer, tentarmos
descobrir se a posse é um fato ou um direito.
Os
Jurisconsultos, tanto os conservadores quanto os vanguardistas até hoje
mergulham nas águas profundas, tanto da doutrina nacional, quanto na
internacional, como bem preleciona Gustavo Kratz Gazalle, “(...) a evolução histórica da
posse, não se tivesse percebido que a posse jamais evoluiu historicamente, já
que a posse não é um conceito, nem um direito, mas um fato, que sempre houve e
haverá, enquanto se puder identificar o exercício de um poder de fato de um
homem sobre um bem perante a coletividade (...)” [1].
Portanto,
para o autor retrocitado a Posse é um Fato, e não um direito ou conceito, visto
que existindo desigualdade social, terras improdutivas e, sobretudo cidadãos
sem casa em nosso País, existirá igualmente a Posse.
Como
nas entrelinhas acima preconizamos, poder-se-ia dizer que, para a correta
conceituação do que seja posse, é necessária a análise de alguns aspectos.
De
pronto, deve-se consignar que a posse é uma situação de fato, ou situação
aparente, que por sua importância, recebe proteção legal.
Assim
sendo, ressalta-se que, o possuidor é aquele que detém um dos poderes inerentes
à propriedade.
É bem verdade que o possuidor exerce um dos
direitos inerentes a propriedade, mas, ressalta-se que o possuidor exercendo
único, e tão somente esse direito não lhe basta, eis que, ainda assim lhe faltará
outros, que são o uso, o gozo e a fruição, direitos estes que se somando, concedem
ao possuidor a propriedade.
Interessante
esclarecer que mesmo a pessoa tendo a propriedade do bem, sobretudo imóvel,
ainda assim este não lhe é total e irrestritamente protegido, dado a função
social da propriedade.
Trata-se,
pois, de um princípio que visa proporcionar uma sociedade mais justa e
igualitária, um mecanismo que, na teoria e por intermédio da Lei tenta obstar a
especulação imobiliária e, aplicar aos imóveis uma função social que é moradia
digna para todos,nesse sentido:
“A função social da propriedade é
um princípio que está vinculado a um projeto de sociedade mais igualitária,
isso se deve em razão de submeter o acesso e o uso da propriedade ao interesse
coletivo; portanto a propriedade urbana cumpre a sua função social quando
destinada para satisfazer as necessidades dos habitantes da cidade. Os
parâmetros para a satisfação destas necessidades são os componentes do direito
às cidades sustentáveis, como o direito à moradia digna, o acesso a terra
urbana, à saúde, educação, ao meio ambiente, ao transporte e aos serviços
públicos, à infra-estrutura urbana, ao saneamento ambiental, ao trabalho, ao
lazer e a cultura (...)” [2].
Devemos,
pois, não perder de vista que, atualmente a propriedade não mais é tão absoluta
e intangível como outrora.
Assim
sendo, para ocorra a posse é necessário que o possuidor a exerça em nome próprio, haja vista que se o
fizer em nome alheio, não teremos posse, teremos em verdade mera detenção, e não posse.
Outrossim, faz-se necessário que os atos
decorrentes da posse não sejam provenientes de mera permissão ou tolerância, ou
ainda, sejam proveniente de atitude violenta ou clandestina (mantida às
ocultas).
Destarte, para um conceito completo do que
seja posse, é fundamental a conjugação dos artigos 1.196, 1.198 e 1.208 do
Código Civil:
Art.
1.196. Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou
não, de algum dos poderes inerentes à propriedade.
Art.
1.198. Considera-se detentor aquele que, achando-se em relação de dependência
para com outro, conserva a posse em nome deste e em cumprimento de ordens ou
instruções suas.
Art.
1.208. Não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância assim como não
autorizam a sua aquisição os atos violentos, ou clandestinos, senão depois de
cessar a violência ou a clandestinidade.
Entendemos
que a posse consiste numa fusão entre a pessoa e coisa, acostada na vontade do
possuidor, onde é criada uma relação de fato, é, pois, a exteriorização da
vontade do possuidor em dispor fruir e usar a coisa possuída, ou seja, vontade
de obter a propriedade, onde, muito embora a propriedade não ocorra, o Direito
Pátrio tutela a Posse.
Dito
isto e, considerando que o tema é por demais extenso o iremos delimitá-lo tão
somente a esses três modos, quais sejam, aquisição, conservação e, perda da
posse.
Considerando
que a posse é uma fenomenologia que se manifesta no mundo jurídico através das
formas reconhecidas pelo sistema, esta não se adquire, visto ser ela uma
manifestação que ocorre no mundo jurídico, nesse diapasão:
“A
posse não se adquire, pois corresponde a um fato em sua fenomenologia, logo não
nasce ou se transmite como um direito.
Ela se manifesta no mundo jurídico através das formas reconhecidas pelo
sistema.” [3]
Silvio
Rodrigues diz que a posse é a exteriorização do domínio e o possuidor é aquele
que exerce algum dos poderes do proprietário. Portanto, no momento em que o
possuidor fica impedido, por qualquer motivo, de exercer esses poderes ele
perde a posse. E completa dizendo que pela teoria de Savigny, a perda da posse
se dá quando o possuidor é privado do corpus e/ou do animus, sendo o primeiro a
detenção material da coisa, enquanto o segundo é a deliberação de tê-la como
sua. Caio Mano corrobora essa afirmação. Silvio Rodrigues agrupa os meios pelos
quais se perde a posse de acordo com a privação do animus ou do corpus:
TEORIA
DE SAVIGNY
A
Teoria Subjetiva de Savigny acredita que a posse é a união de dois elementos: o
corpus, que seria a possibilidade de disposição da coisa, e o animus, que
resulta da vontade e a intenção do possuidor de ter a coisa como sua.
Já
a outra teoria, de Ihering, não acredita
no elemento subjetivo animus para que a posse seja configurada.
TEORIA,
DE IHERING
Justifica
o autor da teoria que o animus, por ser um elemento subjetivo, é de difícil
comprovação, e assim, somente seria necessário o elemento objetivo, o corpus,
pois o possuidor agiria da mesma forma que o proprietário.
O
art. 520 do Código Civil elenca alguns meios pelos quais se perde a posse,
considerando Silvio Rodrigues que este artigo é meramente exemplificativo,
podendo haver outras maneiras através das quais o possuidor se vê privado de
exercer os atos inerentes ao domínio. Os arts. 521 e 522 tratam de outros
aspectos da perda da posse.
A perda da posse se dá:
1. Pelo abandono
Nesse
caso a perda se dá pela intenção de se desvencilhar tisicamente da coisa e não
mais exercer sobre ela qualquer ato possessório. Washington de Barros Monteiro
diz que o abandono é a renúncia da posse pelo possuidor, sendo portanto a perda
do animus e do corpus.
A
doutrina ressalva que nem sempre o abandono da posse significa o abandono da
propriedade, como no caso de se jogarem ao mar diversos objetos para salvar o
navio do naufrágio. Como não há intenção de se abandonar definitivamente a
posse dos objetos, o dono pode recuperá-los se forem dar à praia.
No
caso de bens imóveis, o abandono se dá quando o possuidor se ausenta
indefinidamente, não deixando representante nem fazendo uso do bem. Entretanto,
se o próprio uso do bem comporta períodos prolongados de ausência do possuidor,
como no caso das casas de praia. Não se evidencia o abandono.
É
possível a perda da posse por abandono do representante, se o possuidor, tendo
ciência da infidelidade do preposto, não procura reavê-lo, ou é impedido ao
tentar fazê-lo.
2. Pela tradição
É
um meio aquisitivo da posse e também de sua extinção. Trata-se da perda por
transferência, onde o tradente transmite a posse para o adquirente, acarretando
a perda para o primeiro e a aquisição para o segundo. Washington de Barros
Monteiro ressalta que a simples entrega da coisa, sem intenção de transmitir a
posse, não acarreta sua perda. O exemplo usado é o dono que entrega a coisa a
terceiro para que a administre, não perdendo, portanto, a posse. A transmissão
da posse dos bens móveis caracteriza-se pelo ato material do accipiens, ao
apreender a coisa. Já para os bens imóveis é necessária a transcrição do titulo
no respectivo registro.
3. Pela perda da
própria coisa
Considera-se
perdida a coisa quando for absolutamente impossível encontrá-la, de modo que
não se possa mais utilizá-la economicamente. Nesse aspecto vale o art. 78. III
do Código Civil, que determina que perece o objeto do direito quando fica em
lugar de onde não pode ser retirado.
Há
particularidades nesse caso, como no exemplo da perda de uma jóia. Se o
desaparecimento ocorre dentro da casa do possuidor, e mais tarde a jóia é
encontrada, este não readquire a posse do bem porque nunca a perdeu. Mesmo que
o dono não procure imediatamente o bem perdido, tendo certeza de que ele está
dentro da casa, não perde a posse. Entretanto se a mesma jóia se perdeu na rua,
não ocorre a perda de sua posse enquanto o dono a procura, mas se houver
desistência da busca, tem-se a posse por perdida.
O
art. 521 do Código Civil assegura no entanto o direito de reivindicação de
coisas bens móveis ou títulos ao portador que tenham sido furtados ou
extraviados. O dono tem o direito de reaver o bem perdido ou furtado de quem o
detém, ressalvando-se a este ação regressiva contra quem lho transferiu.
Washington de Barros Monteiro lembra que a lei só protege o dono nos casos de
furto, não se aplicando o dispositivo nos casos de estelionato ou apropriação
indébita, desde que o terceiro esteja de boa-fé.
Entretanto,
se o bem foi comprado em leilão público, feira ou mercado, o dono que desejar a
restituição deve pagar ao possuidor o preço por que o comprou, de acordo com o
parágrafo único do art. 521. Tal dispositivo visa garantir a segurança do
comércio e a boa-fé do terceiro. O procedimento também vale para os títulos ao
portador furtados ou extraviados: quando adquiridos em bolsa, cabe ao
adquirente o direito de ser indenizado.
4. Pela destruição da
coisa
Pode
ocorrer por evento natural ou fortuito, por ato do próprio possuidor ou de
terceiro. Os art. 77 e 78 do Código Civil declaram que perece o direito quando
perece o objeto, e que isto pode acontecer quando o objeto perde suas
qualidades essenciais ou seu valor econômico, quando se confunde com outro de
modo que não se possa distingui-los ou quando se encontra em lugar de onde não
possa ser retirado.
É
preciso que a inutilização da coisa seja total, pois a simples danificação não
acarreta a perda da posse. É assim porque se o possuidor não pode utilizar a
coisa economicamente, não pode se comportar como dono e portanto perde a posse,
que é a exteriorização do domínio.
5. Pela
inalienabilidade
A
coisa pode ser colocada fora do comércio, por motivos de ordem pública, de
moralidade, de higiene, ou de segurança coletiva. Como não se pode exercer
sobre ela, com exclusividade, os poderes inerentes ao domínio, a coisa não pode
mais ser possuída. Silvio Rodrigues diz que se perdeu o corpus, sem o qual o
possuidor não pode ser considerado o titular de uma situação de caráter
material, como a posse.
Caio
Mano ressalva que nem sempre a inalienabilidade é incompatível com a cessão de
uso ou posse alheia, casos em que o possuidor não perderia a posse.
6. Pela posse de outrem
A
posse é exclusiva: firmada a posse nova, ocorre a extinção da anterior.
Portanto se o possuidor é afastado da coisa, ainda que violentamente e contra a
sua vontade, perderá a posse se não for mantido ou reintegrado em tempo
competente. Silvio Rodrigues ensina que o possuidor esbulhado ou turbado tem o
prazo de ano e dia, contado da cessação da violência., para reclamar. Se por
negligência deixa correr o prazo, consolida-se a posse do esbulhador, que se
transforma no novo possuidor, protegido pela lei. Este só poderá ser convencido
no juízo ordinário, quando se vai discutir a propriedade, através da ação de
reivindicação. Washington de Barros Monteiro completa reiterando que o
possuidor que, mesmo expulso de sua propriedade, recorre, luta e desaloja o
usurpador nunca chega a perder a posse.
PERDA DA POSSE DE
DIREITOS
Perde-se
a posse dos direitos quando se torna impossível exercê-los ou quando não são
exercidos no prazo previsto para a sua prescrição:
1. Pela impossibilidade
de seu exercício
Como
a posse é a visibilidade da propriedade, é considerada perdida a posse quando o
possuidor não pode mais se comportar como se fosse o proprietário, ou seja,
quando não pode mais exercer os direitos inerentes ao domínio. Assim a
impossibilidade física ou jurídica de possuir a coisa leva à perda dos direitos
de posse.
Maria
Helena Diniz exemplifica com a perda do direito de servidão de passagem pela
destruição do prédio dominante ou do serviente; ou pela cessão de prédio
próprio a outrem. Washington de Barros ressalva que só o desuso não acarreta a
perda do direito, a não ser pela prescrição.
2. Pela prescrição
Ocorre
quando a posse de um direito não for exercida no prazo previsto em lei,
acarretando sua perda. Por exemplo, o desuso de uma servidão predial por dez
anos consecutivos põe fim à posse do direito, de acordo com o art.710, III do
Código Civil.
CONCLUSÃO
Devemos
concluir que, a Sociedade Brasileira, com as faltas de moradias, principalmente nos grandes centros, o Direito
Brasileiro não mais poderia fecha os olhos para a atual realidade, portanto deverá
sim, continuar a tutelar tal instituto.
Ademais,
não devemos perder de vista que a Constituição Federal elenca a função social
da propriedade, como já abordado neste artigo, a propriedade deixou de ser
intangível e absoluta como outrora, prova disto é os grandes movimentos sociais
que vêm cada vez mais ganhando espaço jurídico
no Brasil, como exemplo,o MST (Movimento sem Terra), e o MST (Movimento dos Sem
Teto), existente nos grandes centros urbanos.
Doutra
banda, o Legislador percebeu que a propriedade sendo usada tão somente para a
especulação imobiliária, mesmo em um País capitalista como o nosso, era
prejudicial para a sociedade mesmo porque tal desigualdade geraria conflitos de
interesses gerando assim, árduo trabalho ao Judiciário.
Na
tentativa de cumprir os preceitos constitucionais, onde a moradia é dever do Estado,
o Legislador Tutela a posse, afora isso, sob o prisma da justiça esta existirá
no caso em que um posseiro adentra em propriedade alheia abandonada e, começa a
cuidar do local, despendendo esforços, e por vezes valores financeiros para ali
tornar seu local de moradia. Natural que o Direito Brasileiro o tutele.
[1]KRATZ GAZALLE, Gustavo, Posse
e ações possessórias, Ed. Saraiva, São Paulo, 2009, 2 pag.
[2]
Artigo obtido em: http://www.jurisway.org.br/v2/pergunta.asp?idmodelo=718,
2/07/2013, às 21:27.
[3]
CALDAS DE ARAÚJO, Fábio, Posse Ed. Forense, Rio de Janeiro, 1ª Ed. 2007, ¾ p.
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