sexta-feira, 5 de julho de 2013

A Posse

DA POSSE

Inicialmente urge salientar aos caros leitores que o presente artigo está longe de esgotar o tema que anos a fio vem causando acaloradas discussões entre os jurisconsultos contemporâneos.
De “prima facie e, para melhor entendermos o instituto que é objeto de nossa diminuta pesquisa, forçoso se faz, encontremos sua melhor classificação dentro do Direito Civil, isto é, sua natureza, jurídica, noutro dizer, tentarmos descobrir se a posse é um fato ou um direito.
Os Jurisconsultos, tanto os conservadores quanto os vanguardistas até hoje mergulham nas águas profundas, tanto da doutrina nacional, quanto na internacional, como bem preleciona Gustavo Kratz Gazalle, “(...) a evolução histórica da posse, não se tivesse percebido que a posse jamais evoluiu historicamente, já que a posse não é um conceito, nem um direito, mas um fato, que sempre houve e haverá, enquanto se puder identificar o exercício de um poder de fato de um homem sobre um bem perante a coletividade (...)” [1].
Portanto, para o autor retrocitado a Posse é um Fato, e não um direito ou conceito, visto que existindo desigualdade social, terras improdutivas e, sobretudo cidadãos sem casa em nosso País, existirá igualmente a Posse.
Como nas entrelinhas acima preconizamos, poder-se-ia dizer que, para a correta conceituação do que seja posse, é necessária a análise de alguns aspectos.

De pronto, deve-se consignar que a posse é uma situação de fato, ou situação aparente, que por sua importância, recebe proteção legal.
Assim sendo, ressalta-se que, o possuidor é aquele que detém um dos poderes inerentes à propriedade.
 É bem verdade que o possuidor exerce um dos direitos inerentes a propriedade, mas, ressalta-se que o possuidor exercendo único, e tão somente esse direito não lhe basta, eis que, ainda assim lhe faltará outros, que são o uso, o gozo e a fruição, direitos estes que se somando, concedem ao possuidor a propriedade. 
Interessante esclarecer que mesmo a pessoa tendo a propriedade do bem, sobretudo imóvel, ainda assim este não lhe é total e irrestritamente protegido, dado a função social da propriedade.
Trata-se, pois, de um princípio que visa proporcionar uma sociedade mais justa e igualitária, um mecanismo que, na teoria e  por intermédio da Lei tenta obstar a especulação imobiliária e, aplicar aos imóveis uma função social que é moradia digna para  todos,nesse sentido:
“A função social da propriedade é um princípio que está vinculado a um projeto de sociedade mais igualitária, isso se deve em razão de submeter o acesso e o uso da propriedade ao interesse coletivo; portanto a propriedade urbana cumpre a sua função social quando destinada para satisfazer as necessidades dos habitantes da cidade. Os parâmetros para a satisfação destas necessidades são os componentes do direito às cidades sustentáveis, como o direito à moradia digna, o acesso a terra urbana, à saúde, educação, ao meio ambiente, ao transporte e aos serviços públicos, à infra-estrutura urbana, ao saneamento ambiental, ao trabalho, ao lazer e a cultura (...)” [2].  
Devemos, pois, não perder de vista que, atualmente a propriedade não mais é tão absoluta e intangível como outrora.
Assim sendo, para ocorra a posse é necessário que o possuidor a  exerça em nome próprio, haja vista que se o fizer em nome alheio, não teremos posse, teremos em verdade  mera detenção, e não posse.
 Outrossim, faz-se necessário que os atos decorrentes da posse não sejam provenientes de mera permissão ou tolerância, ou ainda,  sejam proveniente de  atitude violenta ou clandestina (mantida às ocultas).
 Destarte, para um conceito completo do que seja posse, é fundamental a conjugação dos artigos 1.196, 1.198 e 1.208 do Código Civil:

Art. 1.196. Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade.
Art. 1.198. Considera-se detentor aquele que, achando-se em relação de dependência para com outro, conserva a posse em nome deste e em cumprimento de ordens ou instruções suas.
Art. 1.208. Não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância assim como não autorizam a sua aquisição os atos violentos, ou clandestinos, senão depois de cessar a violência ou a clandestinidade.




Entendemos que a posse consiste numa fusão entre a pessoa e coisa, acostada na vontade do possuidor, onde é criada uma relação de fato, é, pois, a exteriorização da vontade do possuidor em dispor fruir e usar a coisa possuída, ou seja, vontade de obter a propriedade, onde, muito embora a propriedade não ocorra, o Direito Pátrio   tutela a Posse.
Dito isto e, considerando que o tema é por demais extenso o iremos delimitá-lo tão somente a esses três modos, quais sejam, aquisição, conservação e, perda da posse.
Considerando que a posse é uma fenomenologia que se manifesta no mundo jurídico através das formas reconhecidas pelo sistema, esta não se adquire, visto ser ela uma manifestação que ocorre no mundo jurídico, nesse diapasão:
“A posse não se adquire, pois corresponde a um fato em sua fenomenologia, logo não   nasce ou se transmite como um direito. Ela se manifesta no mundo jurídico através das formas reconhecidas pelo sistema.” [3]
Silvio Rodrigues diz que a posse é a exteriorização do domínio e o possuidor é aquele que exerce algum dos poderes do proprietário. Portanto, no momento em que o possuidor fica impedido, por qualquer motivo, de exercer esses poderes ele perde a posse. E completa dizendo que pela teoria de Savigny, a perda da posse se dá quando o possuidor é privado do corpus e/ou do animus, sendo o primeiro a detenção material da coisa, enquanto o segundo é a deliberação de tê-la como sua. Caio Mano corrobora essa afirmação. Silvio Rodrigues agrupa os meios pelos quais se perde a posse de acordo com a privação do animus ou do corpus:

TEORIA DE SAVIGNY 
A Teoria Subjetiva de Savigny acredita que a posse é a união de dois elementos: o corpus, que seria a possibilidade de disposição da coisa, e o animus, que resulta da vontade e a intenção do possuidor de ter a coisa como sua.
Já a outra teoria, de Ihering,  não acredita no elemento subjetivo animus para que a posse seja configurada.
TEORIA, DE IHERING
Justifica o autor da teoria que o animus, por ser um elemento subjetivo, é de difícil comprovação, e assim, somente seria necessário o elemento objetivo, o corpus, pois o possuidor agiria da mesma forma que o proprietário.

 



 
O art. 520 do Código Civil elenca alguns meios pelos quais se perde a posse, considerando Silvio Rodrigues que este artigo é meramente exemplificativo, podendo haver outras maneiras através das quais o possuidor se vê privado de exercer os atos inerentes ao domínio. Os arts. 521 e 522 tratam de outros aspectos da perda da posse.

A perda da posse se dá:

1. Pelo abandono

Nesse caso a perda se dá pela intenção de se desvencilhar tisicamente da coisa e não mais exercer sobre ela qualquer ato possessório. Washington de Barros Monteiro diz que o abandono é a renúncia da posse pelo possuidor, sendo portanto a perda do animus e do corpus.

A doutrina ressalva que nem sempre o abandono da posse significa o abandono da propriedade, como no caso de se jogarem ao mar diversos objetos para salvar o navio do naufrágio. Como não há intenção de se abandonar definitivamente a posse dos objetos, o dono pode recuperá-los se forem dar à praia.

No caso de bens imóveis, o abandono se dá quando o possuidor se ausenta indefinidamente, não deixando representante nem fazendo uso do bem. Entretanto, se o próprio uso do bem comporta períodos prolongados de ausência do possuidor, como no caso das casas de praia. Não se evidencia o abandono.

É possível a perda da posse por abandono do representante, se o possuidor, tendo ciência da infidelidade do preposto, não procura reavê-lo, ou é impedido ao tentar fazê-lo.



2. Pela tradição

É um meio aquisitivo da posse e também de sua extinção. Trata-se da perda por transferência, onde o tradente transmite a posse para o adquirente, acarretando a perda para o primeiro e a aquisição para o segundo. Washington de Barros Monteiro ressalta que a simples entrega da coisa, sem intenção de transmitir a posse, não acarreta sua perda. O exemplo usado é o dono que entrega a coisa a terceiro para que a administre, não perdendo, portanto, a posse. A transmissão da posse dos bens móveis caracteriza-se pelo ato material do accipiens, ao apreender a coisa. Já para os bens imóveis é necessária a transcrição do titulo no respectivo registro.

3. Pela perda da própria coisa

Considera-se perdida a coisa quando for absolutamente impossível encontrá-la, de modo que não se possa mais utilizá-la economicamente. Nesse aspecto vale o art. 78. III do Código Civil, que determina que perece o objeto do direito quando fica em lugar de onde não pode ser retirado.
Há particularidades nesse caso, como no exemplo da perda de uma jóia. Se o desaparecimento ocorre dentro da casa do possuidor, e mais tarde a jóia é encontrada, este não readquire a posse do bem porque nunca a perdeu. Mesmo que o dono não procure imediatamente o bem perdido, tendo certeza de que ele está dentro da casa, não perde a posse. Entretanto se a mesma jóia se perdeu na rua, não ocorre a perda de sua posse enquanto o dono a procura, mas se houver desistência da busca, tem-se a posse por perdida.

O art. 521 do Código Civil assegura no entanto o direito de reivindicação de coisas bens móveis ou títulos ao portador que tenham sido furtados ou extraviados. O dono tem o direito de reaver o bem perdido ou furtado de quem o detém, ressalvando-se a este ação regressiva contra quem lho transferiu. Washington de Barros Monteiro lembra que a lei só protege o dono nos casos de furto, não se aplicando o dispositivo nos casos de estelionato ou apropriação indébita, desde que o terceiro esteja de boa-fé.

Entretanto, se o bem foi comprado em leilão público, feira ou mercado, o dono que desejar a restituição deve pagar ao possuidor o preço por que o comprou, de acordo com o parágrafo único do art. 521. Tal dispositivo visa garantir a segurança do comércio e a boa-fé do terceiro. O procedimento também vale para os títulos ao portador furtados ou extraviados: quando adquiridos em bolsa, cabe ao adquirente o direito de ser indenizado.

4. Pela destruição da coisa

Pode ocorrer por evento natural ou fortuito, por ato do próprio possuidor ou de terceiro. Os art. 77 e 78 do Código Civil declaram que perece o direito quando perece o objeto, e que isto pode acontecer quando o objeto perde suas qualidades essenciais ou seu valor econômico, quando se confunde com outro de modo que não se possa distingui-los ou quando se encontra em lugar de onde não possa ser retirado.

É preciso que a inutilização da coisa seja total, pois a simples danificação não acarreta a perda da posse. É assim porque se o possuidor não pode utilizar a coisa economicamente, não pode se comportar como dono e portanto perde a posse, que é a exteriorização do domínio.

5. Pela inalienabilidade

A coisa pode ser colocada fora do comércio, por motivos de ordem pública, de moralidade, de higiene, ou de segurança coletiva. Como não se pode exercer sobre ela, com exclusividade, os poderes inerentes ao domínio, a coisa não pode mais ser possuída. Silvio Rodrigues diz que se perdeu o corpus, sem o qual o possuidor não pode ser considerado o titular de uma situação de caráter material, como a posse.

Caio Mano ressalva que nem sempre a inalienabilidade é incompatível com a cessão de uso ou posse alheia, casos em que o possuidor não perderia a posse.

6. Pela posse de outrem

A posse é exclusiva: firmada a posse nova, ocorre a extinção da anterior. Portanto se o possuidor é afastado da coisa, ainda que violentamente e contra a sua vontade, perderá a posse se não for mantido ou reintegrado em tempo competente. Silvio Rodrigues ensina que o possuidor esbulhado ou turbado tem o prazo de ano e dia, contado da cessação da violência., para reclamar. Se por negligência deixa correr o prazo, consolida-se a posse do esbulhador, que se transforma no novo possuidor, protegido pela lei. Este só poderá ser convencido no juízo ordinário, quando se vai discutir a propriedade, através da ação de reivindicação. Washington de Barros Monteiro completa reiterando que o possuidor que, mesmo expulso de sua propriedade, recorre, luta e desaloja o usurpador nunca chega a perder a posse.

PERDA DA POSSE DE DIREITOS

Perde-se a posse dos direitos quando se torna impossível exercê-los ou quando não são exercidos no prazo previsto para a sua prescrição:

1. Pela impossibilidade de seu exercício

Como a posse é a visibilidade da propriedade, é considerada perdida a posse quando o possuidor não pode mais se comportar como se fosse o proprietário, ou seja, quando não pode mais exercer os direitos inerentes ao domínio. Assim a impossibilidade física ou jurídica de possuir a coisa leva à perda dos direitos de posse.

Maria Helena Diniz exemplifica com a perda do direito de servidão de passagem pela destruição do prédio dominante ou do serviente; ou pela cessão de prédio próprio a outrem. Washington de Barros ressalva que só o desuso não acarreta a perda do direito, a não ser pela prescrição.

2. Pela prescrição

Ocorre quando a posse de um direito não for exercida no prazo previsto em lei, acarretando sua perda. Por exemplo, o desuso de uma servidão predial por dez anos consecutivos põe fim à posse do direito, de acordo com o art.710, III do Código Civil.



CONCLUSÃO
Devemos concluir que, a Sociedade Brasileira, com as faltas de moradias,  principalmente nos grandes centros, o Direito Brasileiro não mais poderia fecha os olhos para a atual realidade, portanto deverá sim, continuar a tutelar tal instituto.
Ademais, não devemos perder de vista que a Constituição Federal elenca a função social da propriedade, como já abordado neste artigo, a propriedade deixou de ser intangível e absoluta como outrora, prova disto é os grandes movimentos sociais que vêm cada  vez mais ganhando espaço jurídico no Brasil, como exemplo,o MST (Movimento sem Terra), e o MST (Movimento dos Sem Teto), existente nos grandes centros urbanos.
Doutra banda, o Legislador percebeu que a propriedade sendo usada tão somente para a especulação imobiliária, mesmo em um País capitalista como o nosso, era prejudicial para a sociedade mesmo porque tal desigualdade geraria conflitos de interesses gerando assim, árduo trabalho ao Judiciário.
Na tentativa de cumprir os preceitos constitucionais, onde a moradia é dever do Estado, o Legislador Tutela a posse, afora isso, sob o prisma da justiça esta existirá no caso em que um posseiro adentra em propriedade alheia abandonada e, começa a cuidar do local, despendendo esforços, e por vezes valores financeiros para ali tornar seu local de moradia. Natural que o Direito Brasileiro o tutele.      




[1]KRATZ GAZALLE, Gustavo, Posse e ações possessórias, Ed. Saraiva, São Paulo, 2009, 2 pag.
[2] Artigo obtido em: http://www.jurisway.org.br/v2/pergunta.asp?idmodelo=718, 2/07/2013, às 21:27.
[3] CALDAS DE ARAÚJO, Fábio, Posse Ed. Forense, Rio de Janeiro, 1ª Ed. 2007, ¾ p. 

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